quem bebe

As Cidades que Exportam seus Filhos

Era o ano de 2003 quando aqui cheguei.
Era é o sobrenome de minha cidade Natal, tão vizinha quanto quase um dia me esqueci, Nova Era.
Hoje, não resido mais. Me resíduo!
Aqui em Itabira o raro são os cosmopolitas. E apesar de ter sido mais nômade do que cosmopolita, eu me considerava um, até beber dessa “fonte fecunda e infinita” de divagações.

Pronto, me instalei.

O minério itabirano é condutor ferromagnético que ao invés de poluir o ar, como muitos imaginam, imanta o cidadão. Imagine isso… Imagine!

Pronto, me instalei.

Assim, não tem como mudar mais. É complicado. Tchau Nova Era! Tchau Belo Horizonte! Tchau Rio! Tchau Sampa! Tchau Curitiba, Paraná, França! Olá Pico do Cauê que não posso saltar de pára-quedas de suas alturas que me ferro!

Me ferro! – Conhecem aquela expressão: Levar ferro!? De Itabira para o mundo...

Não, não me ferrei. Instalei-me. Instalei como ferradura no cavalo; como marca-passo; como mais uma vértebra, elo, tatuagem, pó de ferro no universo. Uma partícula de poeira fundamental para o sucesso expansivo do Big Bang Bang!

BUUUUMMMMMM!!!

Fundamental!

Sempre disse que minha cidade Itabira é uma grande repartição pública das Minas Gerais, como foi a Ouro Preto no império. A cidade das mulheres de botinas e canelas grossas. Do medo da expansão e de quem vem de fora. Companheira da síndrome de baixar as orelhas.

Whi!?

Oras, até então eu era um alienígena. Hoje, sou um mutante híbrido com as intenções provincianas Itabiranas. Nada mais é tão cosmopolita como ser artista de interior mineiro com a Roma Religiosa encravada nas paredes através de olhos barrocos renascentistas par exportación pró pães de queijo.

Ouí!?

***

Neste momento estou sentado frente meu computador escutando o som que vem de baixo, da rua, de um carro com alto-falantes escandalosos que clama por um amor vadio, luxurioso, através das vozes de uma dupla irritante qualquer (daquelas ruinzinhas). Poderia eu escutar minhas Bodas de Fígaro, meus funiculis funiculás e escrever uma crônica diária ao mesmo tempo. Mas me sinto hoje um violinista no telhado. Aquele mesmo que por dias tentou encantar a cidade com sua arte e quando finalmente a conseguiu, se viu preso àquelas pobres donzelas que sempre clamaram por algo tão simples, tão doce, tão suave, vindo de um Don Juan que desgraçadamente uma pedra eqüilátera lhe acerta a cabeça, pela retaguarda, a fim de lhe dizer: Bedel! O que fazes aqui? Sois filho do mundo e ao mundo voltar-te-ei!
Olhai minha cidade, companheiro? – respondo-lhe com os olhos mirando no horizonte, acima de sua cabeça, mais além que um pico morto desalmado chorando de febre.
Ele se vira e admira. Não há pôr do sol. Não há azul e as nuvens brancas têm tonalidades acinzentadas por causa de sua pintura férrica. Não há discos voadores no céu, nem alienígenas na Terra. Não há o que todos esperavam que Drummond dissesse quando abriu a janela de seu quarto, viu a mata virgem sendo deflorada por um grande robô ensandecido e disse que nada mais era do que a fotografia em sua parede!

Ele olhou.

Olhou o ladino o horizonte que lhe mostrei. Mas se esqueceu de subir ao telhado e errou a direção.
Assim, lhe arrematei: Itabira - como o resto do mundo - é linda, meu camarada! Sou paladino dessas paradas. Se me instalei aqui como cosmopolita e aqui fico como provinciano é porque seu magnetismo de alguma forma me atraiu e existe algo aqui em suas minas além de ouro, seu tolo!
Veja além das fotografias, das janelas, mesmo que para todos os lados que olhe exista uma grande muralha de degraus que suas pernas não consigam alcançar para subir… Se não cresceres, não conseguirás tamanha proeza! Veja além! E perceba que Itabira não exporta só o ferro que tanto quer contribuir para carregar no lombo que aceitam omissos seus cidadãos. Há mais máquinas fazendo isso por você do que possa imaginar! Suba aqui no telhado, comigo, pegue esse alaúde e me acompanhe no violino que nossa música há de melhorar as razões para se viver em Itabira!
Crie, companheiro, crie!
Não se engane, crie!

***
Só espero que a minha Nova Era faça o mesmo para não se tornar essa par exportación pró pães de queijo.

Laz Muniz, de Itabira do Matto Dentro – janeiro 2004